Inscrições antigas desenterradas de templos muito antigos, nos contam com detalhes de cerimônias religiosas que eram celebradas em honra de alguma deusa do amor e da fertilidade. Quem ainda hoje não se encanta com a beleza da nudez de Afrodite?
Assim, em uma espécie de iniciação, que hoje em termos de nossa linguagem moderna poderíamos ate chamar de 'sacerdotisa sagrada', existiu a mulher dedicada e respeitada, que praticava ato sexuais, em nome da deusa da fertilidade. Essas culturas eram embasadas no sistema matriarcal. Nestes tempos, a natureza e maternidade eram prioridade, pois tinha-se um mundo imenso para povoar. Entretanto, a natureza sexual dos homens era tida como parte de uma atitude religiosa. Na Babilônia, todas as virgens, antes de casar, eram iniciadas na feminilidade através da 'iniciação' em templos sagrados. Matronas de cidade de Roma, da mais alta aristocracia, iam ao templo Juno Sospita para entrar no ato de 'prostituição' sagrada quando era necessária uma revelação.
Independentemente de onde vinham, por uma origem real ou comum, por uma noite ou toda a vida, as 'sacerdotisas sagradas' eram nesta época, muito numerosas. Todas elas gozavam de "status" social e eram muito cultas, pois passavam por iniciações e muito estudo. A maioria delas, eram por direito e legalmente iguais aos homens. No Código de Hamurábi, uma legislação especial salvaguarda os direitos e o bom nome da sacerdotisa sagrada. Ela era protegida contra difamações, assim como seus filhos. Também por lei, a sacerdotisa sagrada podia herdar propriedades de seu pai e receber renda da terra trabalhada de seus irmãos. Se insatisfeita, ela podia dispor da propriedade da maneira que julgasse conveniente.
Avançando alguns passos do tempo à frente já encontramos esta imagem da 'sacerdotisa' sagrada totalmente deturpada. Foi exatamente quando o sistema matriarcal evoluiu para o patriarcal e patri-linear. Mas este mudança radical, este giro, este trunfo do patriarcado não foi resultado de uma revolução violenta. Enquanto as 'sociedades' da época eram estritamente baseadas no cultivo e no clã familiar, ela existiu. A mudança aconteceu com o surgimento da política, do militarismo que visava ocupar mais e mais territórios, e pela necessidade de expansão do comércio que gerou-se a estratificação social. A mulher passou à condição de subordinada porque seus papéis deixaram de ser importantes para os novos valores (tais como guerrear, discutir acordos, barganhar preços e contrabandear mercadorias). À medida que estas conquistas foram acontecendo, um enorme número de povos foram se mesclando e as divindades de uma foram incorporadas à outra. Imagine a quantidade de deusas e deuses que eram cultuados. Ficou então resolvido, que o melhor seria criarem somente um Deus Supremo, para ser adorado. Claro que e história é contava pelos vencedores, e por isso; do ponto de vista patriarcal, "ele deveria logicamente ser masculino". Foi assim, que o homem criou novas doutrinas religiosas, de acordo com suas crenças na supremacia masculina. Deste modo, os antigos templos do amor, deram lugar à chamada 'casa do Senhor', deslocando radicalmente os papéis das mulheres nos ritos religiosos.
Sob à nova tradição, e conforme a nova tendência religiosa dominante, ou seja o cristianismo, a mulher tornou-se Eva, ou seja a encarnação da sedução (que na verdade queria dizer: a ruína do homem). Sua simples existência era advertência para os desejos físicos, aos quais era necessário resistir mediante o medo de punição eterna. As mesmas qualidades pelas quais as mulheres foram outrora consideradas sagradas, agora são a razão para as degradarem.
Em nome do Senhor o homem começou a destruir todos os vestígios da deusa e de sua defesa da felicidade sexual. Até o casamento não tinha mais como finalidade o prazer sexual, mas apenas a procriação de novas almas para adorar a Deus. Todo o prazer foi tirado da natureza humana e considerado pecado.
Com estas mudanças, as mulheres deixaram de ser consideradas em pleno gozo de seus direitos. A nova lei romana colocava a mulher sob sua tutela e afirmava que ela era imbecil. Na Grécia, segundo as leis de Sólon elas não tinham direito algum. A lei hebraica condenava a mulher à morte caso não fosse casta na época de se casar e, se cometesse adultério, era apedrejada até a morte.
Essas novas leis são a antítese das atitudes em relação à mulher e à sua natureza sexual, as quais prevaleceram durante as eras em que a deusa era venerada.
Pois é neste contexto histórico que surge a nossa Maria Madalena.
QUEM ERA MARIA MADALENA?
Maria Madalena é a mulher mais conhecida da história. Mas pergunta-se, quem era mesmo Maria Madalena?
A vida de Maria Madalena só é possível ser traçada através das fontes que nos foram deixadas pela tradição cristã. Estas fontes são os textos canônicos e os chamados apócrifos, principalmente os de cunho gnóstico. Estas fontes eram orais e únicas desde os primeiros tempos do cristianismo, e sempre foram tidos como confiáveis até que no Concílio de Nicéia, em 325, houve a separação do que era oficialmente aceito pela Igreja de Roma, e o que era mais aceito oficialmente: então fazem sua aparição os chamados textos canônicos. Era o triunfo dos Paulinos seguidores de Paulo de Tarso, o qual era celibatário e mais alguns poucos judeus. Pois o celibato não e bem visto por eles, ele chega a ser contrário ao Mitzvã. Então um grupo menor porém determinado, virou o rumo da Historia, e a forma como ela é relatada: e decidiu que os textos seriam daqui para frente com a tendência de mostrar um igreja somente para homens.
Todas as incertezas a respeito de Maria Madalena deve-se à uma projeção histórica totalmente alterada, deturpada. Ela acabou presa entre as incongruências da interjeição da 'nova moral' cristã e a imagem arquetípica da natureza feminina erótica.
Existem poucas citações diretas sobre ela nos quatro evangelhos, porém ela está nominalmente presente nas passagens mais marcantes na vida do Cristo, como a Paixão e a Ressurreição. Ela é a discípula que ama o mestre acima de tudo e é testemunha da Sua Ressurreição, sendo a portadora da Boa Nova. Por isso ela pode ser considerada a primeira apóstola (um sacrilégio para os celibatários!).
Ela participa ativamente de acontecimentos totalmente emocionantes, tal qual este aqui: Essa mulher que permaneceu aos pés da cruz com Maria. No domingo vai bem cedo ao sepulcro e vê uma pessoa a quem confunde com um jardineiro. Depois, ele se revela: “Mulher –nos conta João transcrevendo o diálogo entre o Senhor e sua discípula- porque choras? A quem procuras?”. Ela, pensando que fosse o guarda do jardim, lhe disse: “Por favor, se o tiraste daqui, dize-me onde o colocaste e eu irei buscá-lo”. Jesus lhe disse: “Maria”. Ela, então, volta-se para ele, e lhe diz em hebraico: “Rabi”, que significa Mestre. Jesus lhe diz: “Não me toques, pois ainda não fui ao Pai...”.
Cristo, mais uma vez, e em poucas linhas, abre, se não escancara, as portas de um mundo diferente, onde os últimos são os primeiros e onde o amor vence o pecado. Madalena, nos abre esta estrada assim como ela foi indicada às gerações da Idade Média e da Contra-Reforma: o protótipo da penitente e extraordinário exemplo de humanidade resgatada por Cristo. Até o encontro com o Mestre no sepulcro, uma épica face-a-face imortalizado por muitos pintores: como o célebre episódio do 'Noli me tangere' (Não me toques), da obra do Beato Angélico em particular, onde vemos os vértices vertiginosos da experiência cristã: “Logo que ela o vê, isto é, logo que se dá conta de que é Jesus, atira-se sobre ele. E Jesus a interrompe com a mão. Vêem-se as duas mãos de Madalena e a mão de Jesus que a detém: esta é a imagem que sempre demos da posse virginal, que tende à totalidade. Até enquanto esta tendência à totalidade seja estar a um palmo da face do outro. Um verdadeiro exemplo de Amor.
Ainda temos esta outra passagem do Evangelho segundo Marcos: “Marcos é constrangido a admitir que Jesus tinha reservado a sua primeira aparição (aquela que pode considerar-se com a fundação da própria Igreja) não somente a uma mulher, mas também se não (talvez) uma ex-prostituta” segundo um historiador italiano. Então, aquilo que aconteceu é politicamente incorreto??, faz muitos torcerem o nariz??. Mas o nobre evangelista deve descrever aquilo que aconteceu e não é culpa sua se as coisas aconteceram assim. Pode-se dizer que é um capítulo um pouco constrangedor se pensarmos que as mulheres, já não gozavam de grande consideração naquela época.
Entretanto, em outras fontes que não as Escrituras cristãs, já encontramos uma imagem bem diferente de Madalena e sua função. Nos Evangelhos Gnósticos (que são considerados os evangelhos do inicio da era cristã) ela é vista como líder ativa do discipulado de Cristo. Talvez fosse até, uma mentora, ou professora dos apóstolos. O gnóstico "Evangelho de Felipe" relata "a união do homem e da mulher como símbolo da cura e paz, e estende-se ao relacionamento de Cristo e Madalena que, diz ele, era freqüentemente beijada por ele". Ele descreve Maria Madalena como "a companhia mais íntima de Jesus, e símbolo da Sabedoria Divina".
De acordo com o "Diálogo do Salvador", Maria Madalena foi uma dos três discípulos a receber ensinamentos especiais, e era elogiada acima de Mateus e Tomé. Dizia-se que "ela falava como uma mulher que conhecia o Todo".
Mas, a atenção especial que recebia Maria Madalena, acabou gerando rivalidade entre ela e os outros discípulos. Em "Pists Sophia", há algo a respeito de Pedro irritando-se porque Maria Madalena dominava a conversa com Jesus. Ela parecia entender tudo o que Cristo falava, enquanto os outros, não tinham tanto alcance. Pedro em função disso, temia perder sua posição de liderança na nova comunidade religiosa. Ele exige que Jesus a silencie e é imediatamente censurado. Mais tarde, Maria admite a Jesus que não ousa falar a ele livremente porque, segundo suas palavras: "Pedro faz-me hesitar; tenho medo dele porque ele odeia a minha natureza feminina". Jesus responde que quem quer que o espírito tenha inspirado é divinamente ordenado a falar, seja homem ou mulher.
No "Evangelho de Maria", há uma passagem que os discípulos abatidos com a crucificação, pedem para Maria Madalena que os anime, contando-lhes coisas que Jesus dissera e ela em particular. Ela fala então, de sua visão de Cristo e o que ele tinha revelado a ela. Todos duvidaram e a rechaçaram.
Nos "Evangelhos Gnósticos", Maria Madalena é considerada uma mulher capaz, ativa, amorosa, com habilidades de conhecer e falar "o Todo", o que talvez seja uma referência à mais alta Sabedoria, certa compreensão que o coração recebe e contém. Maria Madalena possuía a habilidade de saber das coisas inexplicáveis, como sua visão de Cristo. Ela não questionava este seu lado, como os outros. Ela confiava em sua fonte mais íntima. Ela conseguia ver os emissários divinos e transmitir suas mensagens aos humanos. Como 'sacerdotisa' sagrada, ela era mediadora entre o mundo divino e o mundo dos humanos.
Maria Madalena também operava milagres. Conta-se que, após partir para a Europa, Maria Madalena conseguiu uma audiência em Roma com o imperador Tibério César, por ser considerada uma patrícia romana (assim como Paulo). Sua intenção era denunciar o crime cometido pela negligência de Pilatos, e para isso contou-lhe a vida do Cristo, Sua morte e Ressurreição. Ao terminar seu relato, ela pegou sobre a mesa de jantar um ovo branco para ilustrar seu ponto de vista sobre a ressurreição. Ao ver isso, César replicou que era mais fácil um ovo branco se tornar vermelho do que existir alguém que retornou dos mortos. No mesmo instante, o ovo nas mãos de Maria se tornou vermelho como sangue. Até hoje os cristãos ortodoxos trocam ovos vermelhos na Páscoa para comemorar esta estória. O ovo é o símbolo do nascimento, de tudo o que está em germe para ser gerado e dar à vida. É o símbolo da unidade primordial, que trás em si o que irá emanar. É a gestação do Novo Homem, símbolo da unidade da qual viemos e para qual iremos retornar. Como testemunho desse efeito lendário, na catedral em Jerusalém que porta seu nome há uma estátua de Maria Madalena segurando um ovo colorido.
Da qualquer maneira, houve uma intensa campanha de "ocultação" dos historiadores católicos, e o feitiço se vira contra o feiticeiro, pois assim abre-se caminho para muitas versões. Uma delas tornou-se célebre, com a divulgação do livro de Dan Brown: " O Código DaVinci" o argumento de que na Última Ceia, de Leonardo da Vinci, o personagem que está à sua direita, com traços femininos, seja na verdade Maria Madalena e não João, como outros defendem. O fato de Jesus não envergar nenhum cálice (que mais tarde virou o Cálice Sagrado ou Santo Graal) pode levar a acreditar que Maria Madalena é, de fato, um "cálice sagrado" onde repousa o "sangue de Cristo" ou seja, que ela estaria, nessa altura, grávida de Jesus.
Cultuar seus símbolos é uma forma de evocarmos os auspícios de Maria, e meditar sobre eles é uma forma de penetrar em seus mistérios.
Desde o início da Idade Média, Santa Maria Madalena tem fervorosa devoção, principalmente na Europa, de todos os destituídos, prostituídos, pecadores e despossuídos, que estão em busca de um verdadeiro arrependimento. Várias instituições foram criadas levando o seu nome, para o acompanhamento e orientação, principalmente, de mulheres vítimas da prostituição.
Diz a lenda, que após a volta do Cristo para junto de Seu Pai, Maria Madalena partiu em busca do isolamento, passando o resto de sua vida em penitência e adoração ao Cristo, habitando em uma gruta. Como não se alimentava, anjos vinham constantemente em seu socorro, até que veio a falecer e sua alma foi levada por um cortejo de anjos, para o céu, junto ao seu Salvador.
Algumas lendas situam esse período de penitência em um deserto na Palestina, outras contam que ela e outros discípulos, emigraram para Europa. Ela teria ido até Marselha, na França, e depois a Burgundy, vivendo em uma gruta em Ste, Baume. Lá ela teria vivido até o fim de sua vida, quando foi assistida em seu leito de morte pelo bispo Maximinus, que lhe deu a extrema unção e a enterrou.
Maria Madalena como vemos, continua sendo uma figura proeminente na tradição cristã por uma razão psicológica. A dimensão arquetípica da natureza feminina erótica elege uma figura para ser a portadora de sua projeção. A questão é que os seres humanos, em sua busca espiritual, têm que encontrar uma imagem do feminino que tenha relação com aspectos eróticos da deusa. Mas a repressão da sexualidade pelo cristianismo manipulou a imagem de maneira que Maria Madalena fosse vista como penitente, renunciando à sua sexualidade.
Na verdade, para o cristianismo, o celibatário e totalmente machista, o sexo é pecado e motivo de repressão constante. Diferentemente do homem antigo, cujo amor pelo erótico era considerado compatível com a espiritualidade, esses 'novos' líderes cristãos negaram exatamente o necessário para a renovação da vida.
Maria Madalena é uma figura feminina com que todas as mulheres podem se relacionar sem trair a sua essência. Como uma "sacerdotisa" sagrada, é capaz de encerrar todos os aspectos dinâmicos do feminino: paixão, espiritualidade e prazer. A imagem feminina de Maria Madalena, pode ser portadora de muitos outros significados, quando sua natureza plena for restaurada dentro da psique feminina.
A imagem da deusa divina que personifica os aspectos risonho, radiante, sábio, independente e sensual da natureza feminina existe desde que se tem registros históricos. E pode continuar a existir em nosso tempo se permitirmos que a sua imagem seja restabelecida e que tome seu lugar de direito na compreensão consciente.