Quando falamos ou ouvimos falar em Guinevere, devemos saber que estamos na presença das mais ricas tradições das rainhas celtas. Da mesma maneira, atrás de Morgana e até a Dama do Lago, se ocultam tradições das Sacerdotisas e Deusas. A rainha celta reinava por direito próprio, comandava exércitos como Boadicea, que com seu exército e junto a uma outra tribo marcharam sobre a cidade de Colchester que acabaram arrasando e seus habitantes (todos colonos romanos) mortos. Boadiceia derrotou ainda a Nona Legião romana e incendiou Londres para afugentar os romanos; uma façanha de estrategia e coragem... bem continuando, elas todas eram independentes, tinham, opinião própria e podiam ter amantes! Para os autores medievais influenciados pela estrutura castradora da sociedade chamada de cristã, esta liberdade e igualdade da mulher era inaceitável e incompreensível. Ela foi considerada libertina e atrevida e foi declarada infiel.
Da mesma forma, e imposto por esta mesma cultura “çristã”, dado que o mito pagão e a magia são considerados os piores dos pecados, Morgana passa a ser uma bruxa que conspira contra Arthur, e Nimue ( ou Viviane), a Dama do Lago, passa a ser a ruína do mago Merlim, agora embrutecido pela paixão e pela figura dessa Dama. Mas a história poderia ter sido bem diferente, não é mesmo? Pois aceita-se hoje, que o amor não é um sentimento que precise testemunhas, muito menos ser negociado, como foi imposto à Guinevere.
No nosso Tempo, as mulheres já conquistaram seu espaço e o respeito dos homens e hoje estão todos unidos através do amor... Na tradição celta existe um belo entendimento do amor que resume-se a uma palavra: "anan cara". Vejamos o que isto significa: Anam é a palavra gaélica para alma e cara é a palavra para amigo.
Na vida de todos, existe uma grande necessidade de um anam cara, um amigo da alma (uma amiga). Assim, embasados nesse amor, somos compreendidos tal como somos, sem máscara ou afetação. As mentiras e meias-verdades superficiais e funcionais das relações sociais se dissolvem e pode-se ser como realmente se é. Em resumo: alcançar mesmo a felicidade, ao saber aceitar ao outro, e poder aceitar-se pela amizade do nosso par.
O amor permite que a compreensão se manifeste, pois quando se é compreendido, fica-se à vontade. A compreensão alimenta a relação. Quando nos sentimos realmente compreendidos, sentimo-nos desembaraçados para nos libertar à confiança e abrigo da alma da outra pessoa.
Este reconhecimento é descrito neste belo verso:
"TU NÃO TE PARECES COM NINGUÉM PORQUE TE AMO"
Pablo Neruda
Morgana representa na lenda arturiana, a figura de uma Deusa que pode ao mesmo tempo, ser da morte, da ressurreição e do nascimento, incorporando uma jovem e bela donzela, uma vigorosa mãe criadora ou uma bruxa portadora da morte. Seu grupo consta de um total de nove sacerdotisas (Gliten, Tyrone, Mazoe, Glitonea, Cliten, Thitis, Thetis, Moronoe e Morgana) que, nos tempos romanos, habitavam uma ilha diante das costas da Bretanha. Falam também das nove donzelas que, no submundo galês, vigiam o caldeirão que Arthur procura, como pressagiando a procura do Santo Graal. Morgana faz seu debut literário no poema de Godofredo de Monntouth intitulado "Vita Merlini", como feiticeira benigna.
Mas sob a pressão religiosa, os autores a convertem em uma irmã bastarda do rei, ambígua, freqüentemente maliciosa, tutelada por Merlim, perturbadora e fonte de problemas.
Nenhum personagem feminino foi tão confusamente descrito e distorcido como Morgana ou Morgan Le Fay. A tradição cristã a apresenta como uma bruxa perversa que seduz seu irmão mais novo, Arthur, e dele concebe o filho. Entretanto, é bom esclarecer, nesta época, nas tribos celtas, como em muitas outras culturas, o sangue real não se misturava, e por tanto era muito comum casarem irmãos, sem que isso acarretasse o estigma do incesto.
Morgana e Arthur tiveram um filho fruto de um Matrimônio Sagrado entre a Deusa (Morgana encarna como Sacerdotisa) e o futuro rei. O "Matrimônio Sagrado" era um ritual, no qual a vida sexual da mulher era dedicada à própria Deusa através de um ato carnal executado no templo. Essas práticas parecem, sob o ponto de vista da nossa experiência puritana, totalmente licenciosas. Mas não podemos ignorar que elas faziam parte de uma cultura, uma crença e finalmente uma religião, ou seja, eram um meio de adaptação ate atingir o reino interior ou o sublime entendimento espiritual.
Práticas religiosas são baseadas em uma necessidade psicológica. A necessidade interior ou espiritual era aqui projetada no mundo concreto e encontrada através de um ato simbólico Se os rituais sexuais praticados dentro do templo fossem examinados sob essa luz, torna-se evidente que todas as mulheres devessem, uma vez na vida, dar-se não a um homem em particular, mas à Deusa, a seu próprio instinto, ao princípio Eros que nela existia.
Para a mulher, o significado da experiência devia residir na sua aceitação do instinto, não importando que forma a experiência lhe acontecesse. Depois de passar por essa iniciação, os elementos de desejo e de posse ficam para trás, transmutados através da apreciação de que sua sexualidade e instinto são expressões de força de vida divina dentro do plano humano.
A nível pessoal, o "matrimônio sagrado" envolve o mistério da transformação do físico para o espiritual, e vice-versa. Cada pessoa conecta-se com o universo como se fosse célula única no organismo do campo planetário da consciência. A partir da união do humano com o divino, a "Criança Divina" nasce. A "Criança Divina" é a vida nova, vida com nova compreensão, vida portadora de visão iluminadora para o mundo.
QUEM ERA MORGANA?
Como muitos indivíduos legendários e românticos, há versões conflitantes sobre quem o que foi Morgana. Como já mostramos acima, o historiador e cronista do século XII, Geoffroi de Monmouth, escreveu que "sua beleza era muito maior do que a de suas nove irmãs”. Ainda: “Seu nome é Morgana e ela aprendeu a usar todas as plantas para curar as doenças do corpo. Ela também conhece a arte de mudar de forma, de voar pelo ar...ela ensinou astrologia às irmãs."
Relatos antigos contam-nos que ela era uma Velha Deusa da Sabedoria, a Senhora e Rainha de AVALON, a Alta Sacerdotisa da Antiga Religião Celta. Aprendeu magia e astronomia com Merlim. Alguns achavam que ela era uma "fada arrogante", pois era símbolo de independencia, quase “rebeldia” feminina contra a autoridade masculina. Quando zangada, era difícil agradar ou aplacar Morgana; outras vezes, podia ser doce, gentil a afável. Também era descrita popularmente como "a mulher mais quente e sensual de toda a Grã-Bretanha."
Morgana era um enigma aos seus adversários políticos e religiosos. Os escrivões cristãos transformaram-na em demônio, talvez devido ao seu papel como sacerdotisa de uma Antiga Religião, que eles estavam tentando desacreditar nas suas investidas para cristianizar a estrutura de poder da Grã-Bretanha. Ela, entretanto, defendeu valentemente a sua fé, a cultura da Fadas e as práticas dos Druidas, achando entre os camponeses seus mais fiéis seguidores. Ela negou as acusações de prostituição dos monges e missionários cristãos.
É Morgana, que depois da batalha final, ampara o irmão ferido de morte e o cuida com o zelo de uma mãe e consoladora espiritual. O cristianismo menospreza o poder e o conhecimento de Morgana, do mesmo modo com que impediu a mulher à ascender ao sacerdócio, anulando completamente o seu poder místico e pessoal.
Layamon, autor de um poema narrativo inglês é o primeiro a descrever como a mulher levou Arthur pelas águas e não simplesmente recebendo-o na sua chegada. Morgana é a fada mais bela das que habitam Avalon. Não existem fundamentos suficientes para se acreditar que Avalon seja o lugar que a cultura celta atribuí como ‘residência dos mortos’. O que se sabe é que quando Arthur é transportado sobre as águas em companhia das mulheres com destino a Avalon, se perde no horizonte do mito inmemorial.
Este é o pano de fundo sobre o qual se desenvolvem as diferentes lendas relativas à partida e imortalidade de Arthur, que supostamente continua vivo dentro de uma caverna ou em uma ilha. Estas mulheres que acolheram Arthur pertencem ao mundo das fadas, que provavelmente foi antes um mundo dirigido por deusas.
Segundo Robert Graves e Kathy Jones, a Morg-Ana "surgiu da união das estrelas com o ventre de Ana". Muitas vezes foi equiparada as Deusas Morrigan e Macha, que presidiam as artes da guerra. Entretanto, como fada controlava o destino e conhecia as pessoas.
Famosa por seus poderes de cura, seu conhecimento de plantas medicinais e sua visão profética, era uma xamã capaz de alterar a sua forma, tomando o aspecto de diferentes animais para utilizar seu poder.
DEUSA-MÃE PRIMITIVA
Em "Estoire de Merlin", temos uma descrição bastante detalhada de Morgana, indicando seu verdadeiro caráter e também os estreitos vínculos que estabelece com a Deusa Mãe primitiva:
"Era a irmã do rei Arthur. Era muito alegre e jovial, e cantava de forma muito agradável; seu rosto era moreno, mas bem metida em carnes, nem demasiadamente gorda nem demasiadamente magra, de belas mãos, de ombros perfeitos, a pele mais suave que a seda, de maneiras afáveis, alta esguia de corpo, em resumo, sedutora até o milagre; a mulher mais quente e tesuda de toda a Grã Bretanha. Merlim havia lhe ensinado astronomia e muitas outras coisas, e havia se aplicado ao máximo, de maneira que havia se convertido em uma boa sacerdotisa, que mais tarde recebeu o nome de Morgana a Fada, em virtude das maravilhas que realizou. Se explicava com uma doçura e uma suavidade deliciosas, e era melhor e mais atrativa que tudo no mundo, embora tivesse sangue frio. Porém quando queria alguém, era difícil acalmá-la..."
Esse é decididamente o retrato da Deusa Mãe primitiva, com toda sua ambigüidade, as vezes boa, outras nem tanto, "cálida e luxuriosa", como a Grande Deusa oriental e, "virgem", pois não se submete à autoridade masculina. Observemos também que Merlim ensinou-lhe magia do mesmo modo com que fez com Viviane, a Dama do Lago.
Outras versões da história do Merlim, versões hoje perdidas, porém cujo rastro encontramos na célebre obra do século XV na mão de Thomas Mallory: "La muerte de Arthur", vasta compilação dos relatos da Távola Redonda, e outras versões levam a pensar que Merlim foi amante de Morgana antes de sê-lo de Viviane.
MORGANA, A DEUSA VIRGEM
Trecho de uma lenda atribuída a Morgana:
O VALE SEM RETORNO
A Fada Morgana, abandonada por seu amante Guyomard, decide vingar-se dos homens. Encanta o Vale Perigoso, de tal maneira que todos os cavaleiros infiéis a sua Dama que passem por ali, ficam aprisionados nele para o resto da vida. Permanecem dentro de um paraíso de sonhos; bebem, cantam, celebram festas, dançam, jogam xadrez, porém não podem franquear as ladeiras do vale, que estão vigiadas por gigantes, animais monstruosos e barreiras de fogo. O encantamento só pode ser levantado por um herói excepcional, um homem sempre fiel a sua dama. E, embora Morgana tenha feito todo o possível para seduzir Lancelot do Lago, é ele quem destrói o encantamento e libera os cavaleiros, demonstrando-lhes que as barreiras de fogo, os monstros e os gigantes não passavam de produtos de sua imaginação. Assim derrotou Morgana."
Morgana, em todas as versões das lendas faz o papel de Deusa Mãe Virgem que guarda em seu colo os homens igual guardaria seus filhos. Pois seus filhos também são seus amantes. A atitude de Lancelot é uma atitude repressiva contra tudo que recobre a noção de feminilidade. Essa é também a história da feiticeira Circe, que transforma seus amantes em porcos. Lancelot, aqui, representa Ulisses, que rechaça à submissão e dissipa o que acredita ser miragens, ilusões. Circe e Morgana são a "Virgem" que dá medo, a "Virgem" que engole, a Indomável.
Os homens, que se crêem dominadores do mundo e os reguladores da ordem estabelecida, não se imaginam, nem por um instante, que seu poder no é mais que passividade, e que o poder da mulher, que depreciam ou temem, é o poder ativo.
Quando o homem contemporâneo suprimiu a Mãe Divina e a substituiu pela autoridade de um Deus Pai, desarticulou o mecanismo instintivo que produzia o equilíbrio primitivo. Daí surgiu a neurose e outros dramas das sociedades paternalistas, que se dizem pretender devolver a mulher sua honra e seu verdadeiro lugar, um lugar escolhido pelo homem.
Buscou-se estabelecer uma "lei racional" contra uma "lei natural". Mas, a "lei natural" se concretiza através do instinto e esse, é algo que não se pode negar. Todo nosso comportamento se apóia na natureza e portanto, a disputa entre a natureza e a razão é uma falsa disputa, mas é a responsável pela cegueira que vive nossa sociedade hoje, que, querendo corrigir o instinto, separou o ser humano da sua verdadeira natureza.
AVALON, A ILHA DAS FADAS
Poucos são os autores que especulam sobre o tema "Avalon, residência dos Mortos" e menos ainda os que se atrevem a situá-la. Alguns o fizeram de uma forma extravagante, situando-a no Mediterrâneo. A crença de alguns de que esta ilha não era outra que a Sicília, explica o fenômeno de miragem que se produz no estreito de Messina e ficou conhecido com o nome de "fata morgana", lembrando a feiticeira.
Avalon está inserida em uma agrupação de ilhas, algumas são verdadeiras, outras fruto de diversas obras literárias. Avalon se encontra em lugar indeterminado, que está vinculada aos celtas, não só os de Gales, mas também da Irlanda.
Os irlandeses tinham a idéia de um enorme paraíso ocidental. Lá havia uma Ilha das Maçãs de sua propriedade. Emain Ablach, doce lugar onde habita o deus dos mares Manannan. Emain Ablach só era uma das ilhas do arquipélago atlântico, que se ampliava em direção ao sol sem limites conhecidos. Lá se encontrava Tir Nan N-Og, a "Terra dos Jovens", Tirfo Thuinn, Tire Nam Beo, Terra dos Vivos; Tirn Aill, e Outro Mundo; Mag Mor, Mag Mell, entre outras.
Havia também uma "Terra de Mulheres", habitada por fadas parecidas às da irmandade de Morgana. Acreditava-se que essa ilha era um vasto país sustentado por quatro pilares de bronze e habitado unicamente por mulheres.
Essas ilhas eram terras onde tudo era felicidade, paz e abundância. Não existe o envelhecimento nem o trabalho, porque tudo cresce sem necessidade de semear e nas árvores sempre há frutos.
Algumas dessas ilhas flutuam e outras ficam submersas e só saem a superfície à noite. O rei Artur navegando em sua mágica embarcação "Prydwen", visitou muitas dessas ilhas.
Avalon, para quem ainda a procura, é na realidade uma viagem ao coração. É conhecida também como o "Céu de Arthur", uma ilha do amor incondicional, onde tudo se harmoniza com a transmutação da energia luminosa do amor. Avalon é um reino interior. É a maravilhosa essência do verdadeiro ser nascendo a cada dia em nosso interior. É a nascente do amor no íntimo. E Morgana é a fada que nos faz refletir sobre tudo isso, pois foi ela, com todo seu amor, que empregou todas as suas artes para curar as feridas de Arthur.
A jornada dos homens e mulheres pela vida assemelha-se à jornada épica de muitos mitos. O herói que busca a verdade, poder ou amor reflete-se em nós, que buscamos o significado da vida e os tesouros, como o amor, que dão razão à vida. No entanto, cada um deve descobrir seus elementos de busca pessoais.
Morgana chega para despertar sua atenção para a independência. Você depende de outra pessoa até para respirar? Pois saiba que se plantarmos uma árvore lado a lado elas se asfixiarão. O que cresce necessita de espaço, talvez um pequeno espaço para se exalar o perfume da rosa.
Neste ponto, o poeta Khalil Gibran diz:
"Deixai que haja espaço em vossa união. Deixai que os ventos dos céus dancem entre vós."
O espaço permite que a diversidade encontre ritmo e contorno. Você desperdiça sua vitalidade focalizando os problemas dos outros, relegando os seus para um segundo plano? Você move-se com o rebanho sem exprimir suas idéias ou opiniões?
É a hora para que você, pare, reflita e dimensione suas potencialidades, tentando se libertar de todas suas dependências físicas e psíquicas. É hora de mudar o ritmo! Morgana, a fada, chegou dançando com seus tambores e sua magia para convidá-la a descobrir e viver seus ritmos.
Talvez você nunca tenha descoberto seu ritmo porque você só quer agradar àqueles com quem convive. Mas é de vital importância que você tenha seu próprio ritmo. Fluir com ele lhe dará mais energias, porque você deixará de reprimir o que lhe é natural. Morgana diz que a vitalidade, a saúde e a totalidade são cultivadas quando você flui com sua pulsação única.