Nesta semana recordamos o seu aniversário (28/06). E vamos aqui honrá-lo: Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Foi um dos mais polêmicos pensadores no século XVIII. Sua obra inspirou reformas políticas e educacionais, e tornou-se, mais tarde, a base do chamado Romantismo. Formou, com Montesquieu e os liberais ingleses, o grupo de brilhantes pensadores pais da ciência política moderna. Em filosofia da educação, enalteceu a "educação natural" conforme um acordo livre entre o mestre e o aluno, levando assim o pensamento de Montaigne a uma reformulação que se tornou a diretriz das correntes pedagógicas nos séculos seguintes. Foi um dos filósofos da doutrina que ele mesmo chamou "materialismo dos sensatos", ou "teísmo", ou "religião civil". Lançou sua filosofia não somente através de escritos filosóficos formais, mas também em romances, cartas e na sua autobiografia. Foi na sua obra “Emílio”, que lançou as bases de uma pedagogia naturalista que confia nas tendências espontâneas da criança, que visa atender às suas necessidades mais profundas, ao invés de submetê-la a constrangimentos difíceis.
A obra de Rosseau que foi mal compreendida no seu tempo, e que ainda é até hoje nos meios do catolicismo tradicional, na realidade representa uma reação espiritualista contra a filosofia das luzes e o otimismo dos enciclopedistas, desses filósofos do "conventículo holbáquico" (dos grupos de quem não sabe do assunto, e passa simplesmente a ser contra). que ele fazia questão de destacar e pelos quais era odiado.
Em seu primeiro livro, Discurso sobre as Ciências e as Artes, ele escreve para responder a uma questão que a Academia de Dijon colocara em pauta: Rosseau declara-se inimigo do progresso. Para ele, o progresso das ciências e das artes tornou o homem vicioso e mau, corrompendo sua natureza íntima. Freqüentemente se resume a tese de Rosseau aos seguintes termos: o homem é bom por natureza, a sociedade é que o corrompe. Mas seria uma grave erro confundir o "naturalismo" de Rosseau com o dos filósofos das luzes. Na realidade, a moral e a filosofia de Rosseau, tais como se encontram em seu romance A Nova Heloísa (1761) e na Profissão de fé do Vigário saboiano, peça mestra do Emílio (1762), recaem nos temas do espiritualismo mais tradicional. É certo que a “profissão de fé do Vigário” suscitou as iras dos poderes públicos e das igrejas constituídas. A obra foi solenemente queimada, um mês apenas após sua publicação, em Paris e em Genebra. O arcebispo de Paris o condenou em uma célebre homilía (perseguido por toda parte, Rosseau só encontra refúgio na Inglaterra, junto a David Hume, com quem, aliás, se desentende pouco depois). É censurado por escolher a religião natural (aquela que o homem encontra no próprio coração) e rejeitar a religião constituída. Por ele declarar que todas as religiões são boas e que cada crente pode conseguir a salvação na sua (o que é contrário ao que, na época, era pensado nas igrejas católicas e protestantes). Também é certo que ele desconfia das interpretações que cada Igreja possa dar dos Evangelhos ("quantos homens entre mim e Deus!"). No entanto, prende-se aos ensinamentos de Jesus, cujos atos, diz, são melhores atestados do que os da vida de Sócrates, por exemplo. Rosseau adota o dualismo moral popular. "Somos tentados pelas paixões e detidos pela consciência", essa consciência moral que, segundo ele, é uma exigência inata em nós e não, como dizia Montaigne, o reflexo do costume. Para Rosseau, os maus triunfam neste mundo, ao passo que o justo é infeliz. Todavia, a justiça divina recompensará os bons ("a vida da alma só começa com a morte do corpo") e punirá os maus que são culpados de serem assim ("dependia deles não se tornarem maus"). A Nova Heloísa apresenta-se como uma apologia da religião e da moral, dessa "lei divina do dever e da virtude" em nome da qual a paixão amorosa se sacrifica heroicamente.
A assunto mais famoso porém é no campo político, nele Rosseau, expõe no Contrato Social, as condições de um Estado social que fosse legítimo, que não mais corrompesse o homem: "Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda força comum a pessoa e os bens da cada associado e pela qual cada um, unindo-se a todos, não obedeça, porém, senão a si próprio e permaneça tão livre quanto antes; ele,, o problema fundamental cuja solução é dada pelo contrato social". Todavia, o pacto social não tem por fim conciliar todos os interesses egoístas, mas antes desprender e encontrar (o que é possível com a maioria das vozes, nos debates do povo reunido) uma vontade geral. Esta última faz abstração dos interesses divergentes e das paixões de cada um para só cuidar do bem comum. Entenda-se bem: "cada indivíduo pode, como homem, ter uma vontade particular contrária ou diferente da vontade geral que ele tem como cidadão". Por conseguinte, nessa vontade geral descobriremos outra coisa que não o interesse, o desejo de felicidade, etc. Encontraremos aí, no fundo, a regra da consciência, esse juízo inato do bem e do mal que cada um descobre em si mesmo, quando dissipa seus desejos egoístas "no silêncio das paixões".
(Trechos do “A Profissão de Fé do Vigário Saboiano”)
-Não tiro dessas regras, os princípios de uma alta filosofia, mas as encontro, no fundo do meu coração, escritas pela natureza em caracteres indeléveis. Basta-me consultar-me sobre o que quero fazer; tudo o que sinto ser bem é bem e tudo o que sinto ser mal é mal: o melhor de todos os casuístas é a consciência; e só quando se comercia com ela é que se recorre às sutilezas do raciocínio. O primeiro de todos os cuidados é consigo mesmo: todavia, quantas vezes a voz interior nos diz que, ao fazer nosso bem a expensas de outrem, fazemos o mal! Acreditamos seguir o impulso da natureza e lhe resistimos, escutando o que ela diz dos nossos sentidos, desprezamos o que diz aos nossos corações; o ser ativo obedece e o ser passivo ordena. A consciência é a voz da alma, as paixões são a voz do corpo. É espantoso que muitas vezes essas duas linguagens se contradigam? A qual delas se deve ouvir? A razão freqüentemente nos engana, não temos senão o direito de recusá-la; mas a consciência nunca engana; é o verdadeiro guia do homem: ela está para a alma assim como o instinto está para o corpo; quem a segue, obedece a natureza e não teme se perder. Este ponto é importante, prosseguiu meu benfeitor, vendo que eu ia interrompê-lo: esperai que eu me detenha um pouco mais a esclarecê-lo.