
Em 25 de Junho de 1967, Cassius Clay [hoje conhecido como Muhammad Ali] o mais famoso boxeador e esportista da historia recente foi condenado a prisão por declarar-se com “objeção de consciência”, e recusar-se a prestar o alistamento militar.
O que é Objeção de Consciência?
O exercício do direito de objeção de consciência introduz uma isenção do comprimento do serviço militar obrigatório baseada em uma convicção de ordem religiosa, ética, moral, humanitária, filosófica ou outras da mesma natureza. E isto é de fato, um dos mais fascinantes temas relacionados ao Direito que ainda, infelizmente, é muito pouco estudado e divulgado no âmbito nacional. Pretendo aqui dar uma noção simples do que é essa figura jurídica.
História
A objeção de consciência é fenômeno típico do século XX. Embora, desde a Antigüidade já se tem notícia de acontecimentos que lembrem a figura objeto do presente estudo mas é muito recente a noção de direito a objeção de consciência a qual estamos tratando aqui. Sófocles, em sua peça Antígona, nos remete a uma das primeiras manifestações afins à objeção de consciência. Na Idade Média a Igreja ajuda a lançar bases à objeção de consciência quando opõe-se ao serviço com armas e à prestação de culto ao imperador. A primeira afirmação do direito à objeção de consciência em texto escrito surgiu em 1793, durante a Revolução Francesa, nela, com o ‘Decreto’, e por fortes motivos religiosos, os anabatistas (religiosos da linha dos Batistas) seriam dispensados do serviço militar. Destacaram-se dois intelectuais no século XIX como importantes na formação do direito de consciência. Afirmando que: os cidadãos não deveriam se sujeitar a atividades empreendidas pelo governo quando contrários a elas, e sem ser anarquista, o americano Henry David Thoreau, em sua obra "A Desobediência Civil", constrói importante marco no assunto. Além de Thoreau, o russo Leão Tolstoi criticou, em toda sua obra, a miséria social e os horrores militares, colocando-se entre os grandes apóstolos da objeção de consciência. Dentre outras tendências que ajudaram na definitiva aceitação do direito à objeção de consciência, durante o século XX, podemos destacar a opção por sistemas de governos democráticos, a falência das soluções bélicas e a importância dada à proteção dos direitos fundamentais. Citaremos cinco importantes figuras do presente século que defenderam os ideais supra citados, ajudando, por conseqüência, na formação do direito à objeção de consciência. Objetivando a independência da Índia, Mohandas Karamchand GHANDI, é o mais célebre objetor da opressão, discriminação e da violência. Além dos pensamentos de Thoreau e Tolstoi também constituíram as bases dos alicerces morais de Ghandi o Alcorão e o Gita, que acabou abalando a opinião pública mundial com seu movimento não violento em defesa dos direitos do homem. Decidido a consagrar a mensagem de Ghandi, o italiano Lanza Del Vasto destacou-se em ações contra a tortura e os campos de concentração, além de reivindicar o estatuto do objetor de consciência na França e na Espanha. Discípulo de Ghandi, Martin Luther King, através da não-violência também destacou-se nas décadas de 50 e 60 nos Estados Unidos, como mártir-defensor dos direitos dos negros. Ele traçou seis aspectos essenciais da resistência não-violenta:
a) Não procurar vencer o adversário, mas buscar sua compreensão;
b) Ter como missão vencer o mal e não as pessoas que se apresentam com instrumento desse mal;
c) Saber aceitar o sofrimento sem espírito de represália;
d) Recusa de violência;
e) Convicção de que a lei que rege o universo é a justiça.
f) Não estar esta resistência destinada aos medrosos ou ser própria de covardes;
No Brasil, o defensor de uma alteração nos tradicionais padrões de troca entre nações, a fim de que se constitua uma nova ordem internacional, o bispo Helder Câmara, ‘D. Helder’, é uma das principais figuras do século XX na luta não-violenta em defesa dos direitos fundamentais. Já o italiano Danilo Dolci e mais outros objetores organizou campanha contra as condições sociais reclamando uma intervenção decisiva do Estado. Colocou em sua obra a objeção de consciência como o instrumento primordial da salvação da humanidade, principalmente quando se tem em questão a guerra.
Conceitos Afins
Três conceitos podem ser confundidos com o objeto do presente estudo caso não sejam bem definidas suas diferenças e seus limites, esses conceitos são: a) Direito de resistência - Pode ser visto em três níveis diferentes (resistências passiva, defensiva e agressiva), que se diferenciam pela quantidade de violência usada mas que se forma quando são observados, basicamente, dois aspectos: uma ordem injusta que ofenda direitos individuais e a impossibilidade de se recorrer à autoridade pública para repelir uma agressão, derivada da ordem injusta. O direito de resistência pode ser invocado por todos, a objeção não, pois baseia-se em crenças subjetivas. b) Desobediência civil - Basicamente pode-se dizer que trata-se de fenômeno com objetivos bem determinados, destinados a alterar a ordem estabelecida e causar impacto na consciência social. c) Não-Violência - Na realidade este conceito é apenas uma prática usada por muitos grupos para garantirem uma pretensão por uma maneira que não a armada, Ghandi, foi o mais célebre utilizador desse método, visando à independência do seu pais. Com rigor a não-violência não é conceito afim da objeção de consciência mas um dos princípios desta.
Os Limites
A objeção de consciência pode servir para mostrar o grau de consciência social em um Estado e de liberdade dos cidadãos desse mesmo Estado ou comunidade política, bem como a intensidade da intervenção do Estado na esfera particular dos cidadãos. António Damasceno Correia não fornece, em sua obra, ele aponta requisitos (três) que, juntos, vêm a dar a uma atitude o caráter da objeção de consciência. Esses requisitos são os seguintes: a) A desobediência de norma jurídica ou autoridade pública, ou comportamento oposto ao imposto pela ordem social; b) Ser essa desobediência resultante de convicção do foro íntimo do objetor (razão religiosa, social, política, moral...); c) Apesar de não considerada essencial, é relevado por Damasceno a questão da não utilização da violência para se constituir a objeção de consciência. Entretanto, existem casos em que o objetor age ferindo bens de terceiros mas tem-se a certeza de que em situação igual ele agiria contra esse seu bem também. É o caso do pai que não permite transfusão de sangue do filho, colocando em risco a vida deste, a solução para este caso foi tirar a tutela do pai para se salvar o filho, sendo incabível punir-se o pai, pois agiria contra a própria vida se estivesse em situação igual a que estava seu filho. c) Exercício de obrigação profissional - Como já demonstrado anteriormente, bens de outrem são limites intransponíveis à atuação do objetor, sendo assim, somente são consideradas legítimas situações as quais, por motivos de foro íntimo, o objetor vem a deixar de realizar certo trabalho mas pode ser, sem prejuízo algum a bens de outrem, substituído.
Fascinante, como dito anteriormente, não?
Nenhum comentário:
Postar um comentário