quarta-feira, 11 de maio de 2005

AS CRUZADAS: O OUTRO LADO DA HISTORIA, PARTE II



Para a maior parte dos povos árabes do medievo, a cristandade significava da mesma forma que as terras africanas — como um lugar longínquo de escuridão, barbarismo e descrença, do qual, com exceção dos escravos e das matérias‑primas, pouco havia a aprender e ainda menos a aproveitar.


É verdade que as Cruzadas dos cristãos foram capazes de promover massacres sangrentas contra árabes, turcos, judeus e até mesmo contra outros cristãos, ortodoxos, e também é certo que os árabes muçulmanos não eram um povo ignorante como acreditava a maioria dos europeus na época. Muito pelo contrário, nessa época os árabes já haviam atingido grande desenvolvimento em áreas como a matemática, a astronomia, a medicina e a química.


Os franj  da época das Cruzadas se mostram muito atrasados em relação aos árabes em todos os domínios científicos e técnicos, mas é sobretudo na medicina que o afastamento entre o Oriente desenvolvido e o Ocidente primitivo é maior. O historiador Ussama observa e nos brinda com este relato:


"Um dia", ele conta,  o líder franc de Muneitra, perto do Líbano, escreveu a meu tio o Sultan, emir de Chayzar, para lhe pedir que lhe enviasse um médico para cuidar de alguns casos urgentes. Meu tio escolheu um médico cristão francés chamado Thabet. Este se ausentou apenas por poucos dias, depois voltou. Todos estávamos bastante curiosos para saber como ele tinha podido assim tão rapidamente obter a cura dos doentes, e o crivamos de perguntas. Thabet respondeu: 'Fizeram vir à minha presença um cavaleiro que tinha um abscesso na perna e a outra paciente era uma mulher desnutrida e definhada. Coloquei um emplastro no cavaleiro, o tumor abriu e melhorou. Para a mulher, prescrevi uma dieta para refrescar-lhe o temperamento'. Mas o homem piorou e então disse: ' O que você prefere, viver com uma só perna ou morrer com as duas?'. O paciente tendo respondido que preferia viver com uma só perna, ordenei: "Tragam-me um cavaleiro forte com um machado bem afiado'. Logo chega o cavaleiro e o machado. O médico colocou a perna do paciente num cepo e disse ao recém-chegado: 'Dê uma boa machadada para cortá-la de uma só vez!' . Sob meus olhos, o homem descarregou um primeiro golpe na perna, depois, como ela continuasse presa, bateu uma Segunda vez. O tutano da perna esguichou e o ferido morreu no mesmo instante. Quanto à mulher, o médico franc a examinou e disse: 'Ela tem na cabeça um demônio que está apaixonado por ela. Cortem-lhe os cabelos!'. Eles foram cortados. A mulher então recomeçou uma dieta de alimentos com alho e mostarda, o que agravou o seu definhamento. 'Foi o diabo que lhe entrou na cabeça', afirmou o médico. E, pegando uma navalha, fez-lhe uma incisão em forma de cruz, deixando aparecer o osso da cabeça', que ele esfregou com sal..! A mulher morreu imediatamente. Então perguntei: 'Vocês ainda precisam de mim?'. Disseram-me que não, e eu retornei. ....E assim eu aprendi muitas coisas que ignorava a respeito da medicina dos ‘franj'


.... Quanto mais aprende por conta própria, mais Ussama faz uma idéia terrível a respeito dos ocidentais. Neles, só admira as qualidades guerreiras. Compreende-se, assim, porque, no dia em um dos "amigos" que fez entre eles, um cavaleiro do exército do rei Fulque, lhe propôs levar seu jovem filho à Europa para o iniciar das regras da cavalaria, o emir declina polidamente o convite, dizendo para si mesmo que prefere ver seu filho ir "para a prisão do que ao país dos franj".


Durante muitos séculos, o mundo árabe esteve na dianteira da civilização humana e das suas conquistas. Por muito tempo, eles mantiveram-se alheios ­desta nova realidade. Eles possuíam o melhor da tradição clássica grega, indiana e chinesa. O enorme movimento de tradução, que séculos antes havia colocado muitas obras em grego, persa e siríaco ao alcance de todo leitores do árabe, tinha chegado ao fim e a nova literatura científica europeia era-lhes praticamente desconhecida. E este estado de coisa perdurou por muito tempo: Até aos finais do século xvii apenas um livro de medicina havia sido traduzido de uma língua européia para uma língua do Médio Oriente — um tratado sobre a sífilis. Esta doença, tinha chegado ao mundo islâmico a partir da ­Europa, e de fato ainda é conhecida em árabe, persa, turco e outras línguas como «a doença dos Franc». Obviamente, parecia tão apropriado quanto legítimo adotar um remédio «franc» para uma doença «franc», vistos como bárbaros obscuros, muito inferiores relativamente aos asiáticos, que eram os mais sofisticados. Estes tinham competências úteis e inventos para partilhar; os Europeus nada tinham. Esta era uma avaliação que havia sido razoavelmente correta por muito tempo.

No período compreendido entre o declínio da Antiguidade e o ­advento da Idade Moderna, ou seja, nos séculos designados na história européia como Idade Média. Os povos árabes estavam sem dúvida cientes do fato de existirem outros modelos de sociedade mais ou menos civilizados: na China, na Índia, na cristandade. Mas a China ficava longe e era pouco conhecida; a Índia vivia um processo de subjugação. Já o mundo cristão merecia especial atenção, visto que, pela sua fé com aspirações universalistas, era visto como o único verdadeiro rival. Em 864 d. C. uma expedição naval árabe oriunda da Sicília chegou a subir o rio Tiber e forças árabes atingiram Óstia e Roma. Isto levou às primeiras tentativas para organizar um contra-ataque cristão eficaz.   Mais tarde elas viriam a resultar numa série de campanhas para “recuperar a Terra Santa”, conhecidas como As Cruzadas, que terminaram com a derrota e expulsão definitiva dos cristãos do Extremo Oriente.

4 comentários:

  1. estou adorando o tema, continue escrevendo q eu continuarei lendo! mil bjs

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  2. Também tô me amarrando...
    Ramiro é cultura! Risos...Como te disse adoro o tema...
    Bjs

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  3. Grato pela consideração......
    e, com certeza continuarei postando... sobre este e outros assuntos,
    meu prazer é dobrado sabendo que alguem aprecia....
    +BJKS
    Miro

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  4. Aguardo ansiosamente enquanto coloco os bob´s...
    Bjs,,,

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