
É autor de vários romances, ensaios e peças de teatro, entre os quais se destacam Player Piano (1952)Revolução no Futuro , Cat’s Cradle (1963)Cama-de-gato, Breakfast of Champions (1973) e Galápagos (1985). Seu último lançamento foi "Um Homem sem Pátria, coleção de crônicas e pequenos ensaios".
No Brasil, praticamente toda sua obra foi lançada, de forma irregular, por várias editoras, como a L&PM, a Record e a Rocco.
O que mais acho de interessante na literatura de Kurt Vonnegut, é a mistura de humor, com ficção científica, pós-modernismo e um pouco de política contemporânea, tudo a serviço de narrativas que, embora controversas e inventivas, prendem o leitor como qualquer romance linear e ortodoxo. Parece que seu texto segue em pulso solto, mas na verdade é elaborado e detalhista. Ele criou personagens em cuja solidão nos vemos. Sem ele não existiria Don DeLillo, por exemplo. De todos os que li, "Matadouro 5" e "Cama de gato" foram os que me marcaram justamente por essa mistura de gêneros e tons.
Da sua extensa obra, "Um homem sem pátria" exibe a indignação de Kurt Vonnegut com a América contemporânea, combinada com a generosidade e o humanismo característicos de sua obra desde Matadouro Cinco - considerada obra-prima do pacifismo a partir de sua vivência durante o bombardeio de Dresden. Por outro lado, é uma pena que Cama-de-Gato, o primeiro romance dele, seja tão pouco conhecido por aqui. É brilhante.
Matadouro Cinco (Slaughterhouse five) é bem vonnegutiana. No início metalingüístico é até autobiográfico. Conta sua experiência na Segunda Guerra, em particular as memórias do bombardeio de Dresden. Você não sabe o que foi o bombardeio de Dresden? Pois é. Muita gente não sabe. Durante a Segunda Guerra, Dresden era a cidade com o maior polo industrial da Alemanha na época, os americanos decidiram acabar com ela e sofreu um bombardeio monstruoso. Matou 135.000 pessoas, que é o dobro de mortos de Hiroshima. Os americanos esconderom bem este fato e não divulgarom isso... Pois eles eram a força de ocupação. Voltando a obra de Vonnegut, o personagem Yon Yonson foi um dos sobreviventes dessa tragédia na Alemanha. Nas primeiras páginas, Yon visita um companheiro que esteve com ele na guerra, para lembrar detalhes dos eventos. E as quase duzentas páginas seguintes compreendem A Cruzada das Crianças, o livro de Yonson (Isso mesmo, um escritor dentro da historia) . Aqui, somos introduzidos também a Billy Pilgrim, o protagonista de A Cruzada das Crianças. Pilgrim foi soldado na guerra e, claro, sobreviveu a Dresden (a história dentro da história por dentro da história). Depois de receber uma dispensa honrosa, estudou Optometria (!) e se casou com a filha do dono da faculdade. Anos depois, quando sua esposa falece envenenada por monóxido de carbono (enquanto Billy se recuperava de um acidente de helicóptero da qual era o único sobrevivente), o optometrista afirma que foi abduzido por um disco voador do planeta Tralfamador, e levado para ser exposto nu em uma gaiola no zoológico do planeta. Junto de Billy no zoológico estava uma antiga estrela de cinema pornô, Montana Wildhack, com quem o ex-soldado teve um filho..... (perceberom a ironia?, ele é tratado extamente como nos tratamos aos nosso animais nos zoologicos daqui). Billy aprende o modo de enxergar a vida e a morte dos tralfamadorianos. Para eles, uma pessoa não morre, só parece morrer. Ela está morta apenas naquele momento. Em todos os outros, em seu passado, está viva. Então ninguém fica triste por uma morte - são apenas coisas da vida (uma expressão repetida por todo o livro). Basta olhar para trás, para outro episódio da vida, e se transportar para lá. A vida é não-linear em Tralfamador. Billy é um dos poucos terrestres que compartilham essa capacidade, e ele passa toda a vida (e o livro) viajando no tempo. Sabe como vai morrer. Sabe que vai sofrer um acidente de helicóptero e sobreviver, e que sua mulher vai morrer envenenada. Se quiser fugir do sofrimento, basta fechar os olhos e se transportar pra um momento feliz. É a grande sacada do livro, uma alfinetada naqueles que buscam maneiras de aplacar o pesadelo da morte (como Don DeLillo fez mais tarde em Ruído Branco).

Vonnegut é mestre na criação de personagens excêntricos. Em Matadouro 5 plantou alguns sensacionais, como o soldado adolescente, gordo, burro, sádico e fedendo a bacon que ama a guerra, outro soldado que promete mandar matar depois da guerra todos aqueles que o incomodam (inclusive Pilgrim), o professor americano que morre fuzilado por pegar uma chaleira errada e o escritor obscuro e anti-social que faz previsões em seus livros (Kilgore Trout, alter ego de Vonnegut, presente em várias outras obras de Vonnegut). Talvez o que torne os personagens tão interessantes seja que o autor não os trata com compaixão nem faz ridículo de seus defeitos; trata-os com seriedade, como se suas idiossincrasias fossem algo corriqueiro. E para eles não há saída além da conformidade. Ele virou um filme, que já é tambem uma clássico da ficção: "Slaughterhouse-Five" (1972).
Vários parágrafos tornaram-se famosos, como um em que um bombardeio aéreo é visto ao contrário, com os bombardeiros abrindo seus compartimentos, recolhendo bombas que sobem do solo e em seguida retornando para casa. Esse parágrafo, inclusive, serviu de mote para Martin Amis escrever 'A seta do tempo', a biografia de um médico que vê a vida a partir de sua morte até seu nascimento. E, neste trecho ele se inspirou em F.Scott Fitzgerald, conhecido agora pelo ultimo filme de Brad Pitt....'O Curioso Caso de Benjamin Button', legal!...né?

O tema central, que vai surgindo aos poucos, é o "Ice 9" (gelo nove), uma substância cristalina criada em laboratório, capaz de solidificar toda a água do mundo e, conseqüentemente acabar com a vida no planeta. Vonnegut é cinicamente cruel em sua exposição da natureza humana, e desde o início, mesmo ainda antes de conhecermos a verdadeira ameaça, já pressentimos que nada de bom pode esperar os protagonistas.
Curiosamente, os dois personagens fundamentais e onipresentes em espírito durante toda a história, não se fazem presentes na ação. São como sombras pairando sobre a trama, representando dois lados distintos da humanidade. O personagem Felix Hoenikker, cientista misántropo, inventor de coisas mortíferas como a bomba atômica e o gelo nove, já está morto quando o livro começa. Bokonon, filósofo nihilista, criador de uma seita cuja máxima é "viva pelas mentiras inofensivas, que o tornam corajoso, bondoso, saudável e feliz", é uma figura elusiva só vista no último capítulo. Mesmo assim, ambos são forças determinantes em Cama-de-Gato, cada um a seu modo peculiar.
Não há lugar para otimismo nesta obra. Mesmo assim, é um livro divertido. Humor negro, é claro. Mas Vonnegut tem uma habilidade ímpar para mostrar o rídiculo de posturas e comportamentos. É com um sorriso nos lábios que reconhecemos figuras típicas e caricatas como a secretária que faz questão de afirmar a sua ignorância ou a senhora que se delicia ao encontrar conterrâneos por todos os lados.
Vonnegut satiriza impiedosamente todos os temas tocados pela história, como se fosse seu próprio 'gelo nove' solidificando tudo pelo caminho. A ciência e a religião são os alvos preferidos, mas nada escapa: casamento, patriotismo, sexo, política... E é aí que está o brilhantismo do bokononismo - num mundo que não faz sentido, habitado por pessoas que não fazem sentido, somente uma religião assumidamente falsa e de rituais absurdos pode fazer sentido....(!). Ele serviu tambem de inspiração a hollywood, como no Filme "O Novato"
(The Recruit, 2003, com Al Pacino (Walter Burke) e Colin Farrell (James Clayton))
Assim, boas leituras é o que desejo a voces!